domingo, 15 de fevereiro de 2009

ENTREVISTA COM O PRESIDENTE LULA ELEIÇÃO 2010. EU MARYAH CYDAH JÁ ESCOLHI MINHA CANDIDATA

- O presidente Luiz Inácio da Silva (PT) não tem dúvidas: em 2010 a disputa presidencial será polarizada entre seu partido e o PSDB. De um lado, diz Lula, muito provavelmente estará a ministra chefe da Casa Civil, a “companheira” Dilma Rousseff. Do outro, continua o presidente, ou o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, ou o de São Paulo, José Serra, ambos do PSDB, que devem disputar a legenda por meio de prévias. “Não sei se o Aécio vai conseguir vencer a parada dentro do PSDB. O importante é que qualquer que seja o resultado futuro, a gente vai ter uma pessoa civilizada para governar o País”, disse Lula durante entrevista exclusiva concedida à Associação Paulista de Jornais - entidade que congrega os principais jornais do Interior do Estado de São Paulo, entre eles, o Diário da Região. Sobre a escolha de Dilma como candidata a sua sucessão, o presidente diz que o PT vai “absorver” sua candidatura. Mas, em se tratando de PT, nem Lula põe a mão no fogo. “Eu acho (que o partido absorve Dilma candidata), mas como o PT é imprevisível, vamos esperar que o PT faça a sua prévia.”Na área econômica, o presidente prometeu ainda manter, a despeito da crise financeira internacional, os investimentos da Petrobras na construção de refinarias e nos projetos relativos à exploração da camada do pré-sal. “É exatamente nesse momento da crise que eu quero que a Petrobras contribua para a geração de empregos.” Lula revelou que uma das prioridades de sua gestão no momento é estimular o crédito com a redução do “spread” bancário (diferença entre a taxa de juros das operações de captação e liberação de recursos). “Não é possível que num momento de crise como esse, em vez de as pessoas fazerem fluir mais dinheiro na praça, para o povo poder consumir mais, as pessoas se retranquem. Então, isso nós estamos vendo com muito carinho, porque esse eu acho que é o grande problema.” O presidente, que diz rezar todos os dias para o êxito da política econômica do recém-empossado colega norte-americano Barack Obama, avalia que o impacto da crise ainda não afligiu os grandes investimentos privados no País. Lula afirmou ainda que “nunca” os empresários brasileiros se capitalizaram tanto como nos anos de 2007 e 2008. E que não seria “justo”, neste momento de crise, no primeiro “refrega” que a empresa tem, demitir trabalhadores e pegar o dinheiro “daqui para salvar as matrizes que quebraram na Europa.” Leia a seguir os principais trechos da entrevista.Associação Paulista de Jornais - Parte da aflição dos prefeitos, que o senhor ouviu no encontro com eles está pontualmente ligada à questão da apreensão em relação ao FPM. Depois do aumento de um ponto percentual, os municípios se preparam agora para discutir uma eventual redivisão do bolo do IPVA. O senhor tem algum panorama?Luiz Inácio Lula da Silva - Eu digo isso com muito orgulho porque eu não conheço, na história do Brasil, um governo que teve a relação com as prefeituras como a que nós temos. E por que eu quero ter uma relação muito ligada, quase umbilicalmente, com os prefeitos? É porque eu sou o presidente hoje, mas amanhã eu sou o cidadão de uma cidade e vou querer que o prefeito cuide bem da minha rua, cuide bem da praça, cuide bem da saúde da cidade. Então, nós precisamos entender de uma vez por todas que as políticas sociais determinadas pelo governo federal ou pelo governo estadual serão muito melhor aplicadas se a gente tiver uma construção de parceria com os prefeitos. É o prefeito que está na comunidade, é o prefeito que sai de casa todo dia e atravessa a rua da sua cidade, é o prefeito que conhece a periferia da cidade, é o prefeito que sabe que onde estão as pessoas mais pobres, as pessoas de classe média, as mais necessitadas dos programas sociais. E o exemplo maior é o Bolsa Família. Se a gente não tivesse construído as parcerias com os prefeitos, certamente nós não teríamos atingido a quantidade de pessoas que atingimos. Eu me lembro de que uma vez uma primeira-dama disse que o problema das políticas sociais dos governos é que ficava mais fácil jogar o dinheiro de helicóptero para as pessoas pegarem, porque o dinheiro não chegava às pessoas. Quando nós criamos o Bolsa Família a coisa mais sagrada que nós fizemos foi o cadastramento das pessoas. O cadastramento que hoje o cidadão recebe e o presidente da República não sabe se você recebe, se é o Franklin que recebe, por quê? Porque você tem o seu cartão magnético, você vai ao caixa da Caixa Econômica, retira o seu dinheiro e não deve favor a ninguém. É libertar as políticas sociais do favor que as pessoas ficam devendo a quem faz política social. Eu acho que quanto mais forte for a prefeitura, quanto mais recursos tiver a prefeitura, mais coisas boas vão acontecer nas cidades.APJ- Há espaço para (redivisão) do IPVA, por exemplo?Lula - Veja, há espaço para tudo. Há espaço para tudo. Essa pauta do IPVA deve vir muito forte na Marcha dos Prefeitos. E de qualquer forma, o que acontece? Eles apresentam para nós a pauta de reivindicação, nós temos um ano para estudar essa pauta, para conversar com quem de direito e aí, no ano seguinte, a gente apresenta a resposta. Eu acho que o IPVA deve vir com muita força agora. Vocês sabem que o IPVA vai ter uma peleja com os governadores, nós vamos ter convencê-los da importância de contribuir. Nós queremos, definitivamente, que as prefeituras ganhem cada vez mais autonomia, ganhem cada vez mais condições financeiras porque, eu tenho certeza, você pode ter uma ou outra pessoa que vai cometer desvio, mas é muito mais fácil controlar o dinheiro, estando perto do povo.APJ - Em Minas Gerais, por exemplo, como vai ficar a sua relação com o PSDB? O Aécio Neves (governador) e o Lula vão se unir?Lula - Primeiro, eu estou unido ao Aécio pelo bem de Minas e pelo bem do Brasil. Nós temos trabalhado juntos, nós somos parceiros, eu não tenho nenhuma pendenga com o companheiro Aécio. Nós somos, antes sermos governantes, nós somos companheiros. Obviamente, ele pertence a um partido político, eu pertenço a outro. Certamente, o partido dele vai ter candidato a presidente da República, certamente, o meu partido vai ter candidato a presidente da República. O Aécio vai ter que enfrentar uma prévia dentro do PSDB. Certamente, não sei se a pessoa que vai disputar no meu partido vai ter prévia, mas de qualquer forma vai ter um resultado. O importante é que qualquer que seja o resultado futuro, a gente vai ter uma pessoa civilizada para governar o País. Eu estou vendo todos que estão em disputa aí, são pessoas que têm passado, são pessoas que têm tradição na luta popular neste país. Eu acho que é melhor do que quando a gente disputava um cara de esquerda com um cara de direita. Hoje as pessoas são mais ou menos pares, ao compreenderem os problemas do Brasil. Indubitavelmente, vai ter uma disputa entre PT e PSDB nas eleições presidenciais. Eu não sei se vai ser o Aécio, se ele vai conseguir vencer a parada interna dentro do PSDB, não sei se vai ser o Serra. No caso do PT, eu penso que o PT também vai absorver a companheira Dilma. Eu acho, mas como o PT é imprevisível, vamos esperar que o PT faça a sua prévia.APJ - O senhor falou sobre a preocupação em relação à transição, é por isso que tem uma relação boa, diplomática com todos os prováveis candidatos à Presidência. O senhor mostrou também no encontro dos prefeitos (semana passada), uma irritação com as ilações que são feitas em relação à ministra Dilma. Tudo o que é feito, todas as ações da Casa Civil, todos os novos projetos do PAC, são todos vinculados a uma ação eleitoreira. Como é que o senhor vai encarar esse processo de transição?Lula - Primeiro, eu vou manter a minha boa relação com todo mundo. Eu prezo muito a relação de amizade. Eu posso romper politicamente com uma pessoa, mas não rompo a minha relação de amizade. Isso eu aprendi muito cedo e é a coisa que eu mais prezo. Eu jogava em um time de futebol e meu irmão jogava em outro, e nós nos dávamos botinadas como se fôssemos estranhos. Quando chegávamos dentro de casa, estava tudo resolvido. Na política é a mesma coisa: vai ter uma disputa, vamos disputar, quem ganhar leva, governa, e nós temos que trabalhar para que o Brasil tenha, cada vez mais, sorte com os governantes que elege. Eu, às vezes, pareço irritado, mas podem ter certeza de que eu não fico irritado. Eu fico, às vezes, chateado quando... se você não faz as obras, você é criticado porque não fez. Se você faz, é porque você quer ajudar alguém. O PAC, eu poderia ter lançado em outubro de 2006. Eu não lancei por orientação de um companheiro que falou assim: “Presidente, você não vai precisar disso para ganhar as eleições, e se você lançar o PAC agora, você vai desacreditar o PAC. Então, espere.” Eu não lancei o PAC para disputar as eleições. Lancei ele no dia 22 de janeiro de 2007, e o PAC demorou um ano e meio para pegar no breu. Por quê? Porque nós chamamos cada governador, chamamos os prefeitos das regiões metropolitanas, depois chamamos as cidades com mais de 100 mil habitantes, depois disponibilizamos 4 bilhões para a Funasa fazer as coisas nos municípios menores. Depois descobrimos que muitos projetos não estavam prontos, não tinha projeto executivo. Então, foi todo um trabalho de maturação. Agora, dois anos depois, é que eu posso dizer a vocês: tem 90% do PAC em andamento. A tendência natural é, daqui para a frente, a gente atingir os 100% e vocês vão ver obras neste país como vocês nunca viram na vida de vocês. O último grande momento de obras públicas no Brasil foi em 1975, no governo Geisel. Agora, vejam que interessante. Quando você começa a fazer investimentos em saneamento básico, é que nem um jornal, uma rádio: você tem que ter uma carteira de clientes. Você começa pedindo a um, vai atrás de outro, o advogado faz uma carteira. Saneamento básico é assim. Você precisa todos os anos ir fazendo, porque as obras não terminam em um ano. Você tem que ter uma carteira cada vez mais crescendo, até que um dia você não pare mais de fazer obras do PAC. Eu vou agora a Campinas. Campinas atingiu 80% de esgoto tratado. Mais um projeto que tem lá, Campinas pode ser a primeira cidade grande brasileira a ter 100% do esgoto coletado e tratado. Agora, isso demora, isso tem muito investimento.APJ- O senhor vê alguma razão da preocupação do setor agrícola para medidas pontuais em função da apreensão do mercado, tendo só como referencial que boa parte dos produtores, os de grande volume, eles fizeram investimentos com o custo das commodities elevado no ano passado. A maior preocupação agora é que vão desempenhar a sua produção na safra com um valor muito inferior. E um outro dado, essa é uma preocupação nacional: 75% dos fertilizantes são importados. Aí, uma relação direta com o mercado. O senhor vê uma preocupação direta com esse ponto específico? Lula- Vejo. Primeiro, é importante lembrar que no ano passado o dólar também estava mais baixo. Então, hoje o aumento do dólar é um ganho adicional para os nossos exportadores de commodities. Nós temos um problema com fertilizantes, sério. E por isso nós tomamos a decisão, dentro do governo, de que nós vamos construir fábricas de fertilizantes no Brasil. Ou seja, a indústria petroquímica brasileira e a Petrobras têm a obrigação de resolver esse problema para nós. Nós já conversamos com a Petrobras, já conversamos com o setor e vamos começar a produzir, sobretudo a matéria... o fertilizante hidrogenado, que é a uréia, que precisa de gás. E estamos tentando fazer parcerias com países como o Peru, que tem muito gás, para que a gente possa produzir aqui na América do Sul fertilizantes para atender ao mercado e a gente não ficar importando da Ucrânia, da Rússia e da China. Nós temos algumas minas importantes. Nós tínhamos uma mina na Amazônia que a Petrobras tinha vendido, nós fizemos a Petrobras desfazer a venda, porque não tem sentido vender uma mina de fertilizantes no coração da Amazônia.APJ - A Petrobras, que vendia o barril a US$ 160 no ano passado, teve um aumento de 8% no diesel mais ou menos no meio do ano, no setor agrícola, e que agora a US$ 40, US$ 50, eles não tiraram essa margem, presidente. A Petrobras, na opinião dos agricultores, está querendo fazer caixa com a diferença de... Lula- Vamos atentar bem, porque as pessoas costumam chorar demais. A Petrobras, quando nós discutimos o plano de investimento da Petrobras, em que imaginou investir US$ 112 bilhões até 2010, e agora passou a um novo programa de US$ 174 bilhões até 2013, o preço do petróleo do primeiro programa da Petrobras de US$ 112 bilhões era calculado em US$ 35 o barril. Portanto, obviamente que para a Petrobras ou para uma empresa de petróleo qualquer, se o petróleo chegasse a 200, seria ótimo. A verdade é que, nos cálculos deles, se o preço estiver a US$ 40, eles estão ganhando dinheiro. Eu acho que o petróleo não volta mais a US$ 150, mas também pode não ficar em 40, pode voltar a subir, a 50, 60, o que é um preço extremamente razoável. O Brasil tem em mente que a partir do mês de abril nós vamos começar a explorar o poço de Tupi, durante uns 10 meses, 1 ano, nós vamos explorar em fase experimental para ir adequando novas tecnologias. Eu espero que o Brasil entre no mercado dos países exportadores não de petróleo, eu quero que o Brasil exporte derivados. Daí porque nós tomamos a decisão de fazer três novas refinarias: uma no Rio Grande do Norte, uma no Ceará e uma no Maranhão, fora a de Pernambuco que está sendo feita em parceria com a Venezuela. O Brasil há 20 anos não fazia uma refinaria. Nós vamos fazer para quê? Para a gente exportar óleo diesel de qualidade e exportar gasolina de qualidade.APJ - Não é justa essa chiadeira do diesel em função de estar bem mais barato o preço do petróleo? Também em função do panorama da crise é o setor agrícola que está gritando em relação a essa choradeira da diferença dos US$ 160 do ano passado para os...Lula - Mas as pessoas têm que lembrar que nós aumentamos muito menos o combustível. Eu vou dar um exemplo para vocês: o gás de cozinha, a Petrobras não aumentou desde que eu tomei posse. Ele aumenta na distribuidora, mas o preço que a Petrobras vende não aumentou desde que eu tomei posse. Você vai analisar que os combustíveis subiram muito menos do que qualquer coisa. Obviamente que se o preço continua estável, fica parado nos 40, e a gente constatar que é possível mexer, não tenha dúvida de que nós mexeremos. O que é importante é que gente primeiro tenha noção do que vai acontecer com o preço do petróleo. Não é o Brasil que determina o preço. O mundo desenvolvido, na verdade, é que determina o preço. Ele chegou a 150 no ano passado porque o mercado futuro determinou um preço. Por isso, parte dessa quebradeira se deve à especulação do mercado futuro. Eu aprendi uma coisa. Eu, quando era mais novo, eu tinha muito aquele negócio de achar que era tudo ou nada. Você vai ficando velho, o cabelo vai ficando branco, e você percebe que entre o tudo ou nada tem uma quantidade enorme de degraus para você pisar até encontrar um ponto de equilíbrio. E hoje eu sou muito mais um equilibrista do que um defensor da tese do tudo ou nada. Eu sempre tento procurar o ponto de equilíbrio. Eu, nas minhas decisões econômicas, não ouço apenas uma pessoa, ouço muitas pessoas. Nas minhas decisões políticas, eu não ouço apenas uma pessoa porque, senão, vem uma pessoa para te fazer a cabeça, conta apenas o que ele está pensando e você não ouve o outro lado, a tendência é você tomar uma decisão precipitada. Então, eu sempre prefiro ouvir duas, três pessoas sobre o mesmo assunto para poder formar o meu juízo.APJ - Só para aproveitar a situação da Petrobras, com o dólar nesse patamar, se ele se estabilizar nesse patamar... o senhor mesmo reconhece que é uma questão de mercado, que não deve voltar aos valores do ano passado. A situação de investimento, pensando para o horizonte, em relação ao pré-sal, tende a ser mais ponderada?Lula - Não. Nós não tiraremos um centavo. E todo o preço da Petrobras é calculado em dólar. Então, anote aí: o investimento da Petrobras é de US$ 174 bilhões até 2013. Qual foi a briga que eu tive com a Petrobras? Ela queria mudar a programação dela para 2017. Eu disse para eles: primeiro, eu não sei se vou estar vivo em 2017; segundo, em 2011 eu já não sou o presidente da República, então a decisão é agora. E por que agora? Porque é exatamente nesse momento da crise que eu quero que a Petrobras contribua para a geração de empregos, por isso que eu quero fazer as refinarias. Se você começar ainda este ano a fazer terraplenagem, até você tirar licença-prévia, arrumar um terreno com os governadores e começar o processo de construção, leva dois anos. Então, precisa começar agora. Nós não mudaremos. Aliás, eu vou lhe dizer uma coisa: eu pedi para que o presidente do BNDES me trouxesse os 100 maiores projetos de investimentos da iniciativa privada no Brasil. Até agora nenhum desistiu. Vocês estão percebendo o dinheiro que tem no BNDES. Ou seja, o BNDES pode emprestar no ano que vem, se quiser, R$ 168 bilhões, o que jamais foi imaginado o BNDES investir na vida. Eu acho que nós vivemos um momento em que a única coisa que falta é a gente não permitir que as pessoas percam a confiança. Quando eu fui para a televisão, no dia 22 de dezembro, fazer publicidade para o povo comprar - não sei se vocês compraram alguma coisa - é porque a economia tem uma lógica. Aliás, eu vi o Obama dizer a mesma coisa em um pronunciamento. Ou seja, se as pessoas ficarem com medo, se você não comprar o sapato que você quer comprar, a meia que você quer comprar, a gravata que você quer comprar, se todo mundo pensar em parar de comprar, aí a economia para. É o momento de cada um perceber a contribuição que dá para o crescimento da economia. Na hora que tem fartura de produtos, na hora que tem fartura de dinheiro, é fácil. Agora, no momento em que o crédito desaparece, mas as pessoas ainda estão recebendo o seu salário, é importante que as pessoas imaginem o seguinte: bom, se eu parar a minha atividade de comprar alguma coisa e colocar o dinheiro embaixo do colchão, aí eu vou contribuir para quê? Para a economia ficar atrofiada.APJ - O senhor falou a respeito do crédito do BNDES, da pujança do BNDES em socorrer diversos segmentos produtivos. O governo já agiu no setor automotivo. O senhor acha possível estender esse socorro para outros polos produtivos, o polo têxtil, calçadista, aeronáutico? Existe uma crítica desses segmentos de por que o setor automotivo tenha sido privilegiado...Lula - A indústria automobilística tem uma participação de 24,5% no PIB industrial brasileiro. Não é apenas a fábrica que produz o carro, é a loja que vende, é o mecânico, é o borracheiro, é o posto de gasolina. Então, quando nós atendemos a indústria automobilística, nós tomamos três decisões importantes: primeiro, garantir que a indústria automobilística continuasse produzindo, e para isso era preciso resolver o problema de crédito para vender o carro, porque os bancos pequenos pararam de financiar carros. Nós tomamos a decisão de comprar a Nossa Caixa, em São Paulo, e tomamos a decisão de comprar metade do Banco Votorantim exatamente para que a gente, através do Banco do Brasil, possa manter a carteira de carros em dia e possa, inclusive, financiar carro usado. Você sabe que a classe média brasileira, sobretudo a classe média e a classe média baixa, se não vender o carrinho do ano passado, não compra o carrinho do ano que vem. Então, é preciso que tenha financiamento.O Banco Votorantim era um banco que tinha uma carteira de R$ 90 bilhões de financiamento de carro usado. Na hora que ele para, parou o mercado de carro usado. Então, nós entramos exatamente para garantir. Ao mesmo tempo, nós tomamos uma decisão de capital de giro para a pequena e média empresa brasileira. Vocês sabem que nós já disponibilizamos mais de R$ 100 bilhões do compulsório para fazer o crédito fluir. E, ao mesmo tempo, nós agora acabamos, com uma medida do Banco Central, de disponibilizar US$ 36 bilhões para garantir o financiamento de empresas brasileiras que têm dívida em dólar, para garantir os créditos da Petrobras e de outras empresas que têm projetos em dólar, para construir coisas no Brasil. Nós tivemos um problema que ainda não conseguimos resolver. Como 30% do crédito brasileiro, 30% de todo o crédito no mercado interno era crédito feito em dólar, grandes empresas que tomavam dinheiro em dólar, como a Petrobras, por exemplo, na hora que seca o mercado de dólar, esses 30% vêm para dentro do Brasil. Então, aconteceu o seguinte: você tem mais gente procurando empréstimo. Os bancos, além de ficarem mais seletivos, começaram a cobrar uma taxa de spread muito maior.APJ- O spread pode baixar?Lula- Eu constituí um grupo de trabalho entre o Tesouro e o Banco Central, o prazo vence amanhã (quinta-feira, dia 12 de fevereiro), certamente eles vão pedir mais uns dias para mim, que nós precisamos resolver o problema do spread bancário no Brasil. Não é possível que num momento de crise como esse, em vez de as pessoas fazerem fluir mais dinheiro na praça, para o povo poder consumir mais, as pessoas se retranquem, não é possível. Então, isso nós estamos vendo com muito carinho, porque esse eu acho que é o grande problema. O segundo problema é que eu estou... Vocês nem imaginam o quanto eu rezo para o Obama. Eu estou rezando para o Obama mais do que rezei para mim. Por quê? Porque como a economia americana tem uma incidência na economia do mundo inteiro, e alguns parceiros nossos dependem muito dos Estados Unidos, como a China, por exemplo, nós queremos que a economia americana se recupere logo, para que a economia vá voltando à normalidade. O mundo inteiro pode se recuperar, mas se os americanos não se recuperarem nós teremos problema, afinal de contas o buraco é lá. O chamado “buraco negro”, que todo mundo fica procurando, está exatamente na economia americana. Hoje se fala que o rombo talvez seja de US$ 4 trilhões. É uma quantia tão grande que a minha cabeça não consegue imaginar o que significam US$ 4 trilhões. Então, eu estou torcendo para o Obama acertar. Estou torcendo para o Obama... Não é nem resolver o problema logo, mas se estancar... E qual é o grande problema nos Estados Unidos? É, primeiro, restabelecer a confiança na sociedade. E, junto com o restabelecimento da confiança, resolver o problema da dívida das pessoas. Imaginem o que aconteceu nos Estados Unidos: eu comprei uma casa por R$ 300 mil, o mercado valorizou essa casa para 600. Lá, o hábito de crédito é de que eu poderia tomar emprestado a diferença entre o valor real e o valor de mercado, eu tomei mais US$ 300 mil emprestado e aí a minha casa não vale nem 600 e nem 300, vale 200. Ou seja, eu estou pendurado numa dívida por conta de um patrimônio que eu tinha e que não tenho mais esse patrimônio. Então, ou resolve esse negócio ou não resolve mais nada.APJ- Vamos voltar para o setor automotivo. Embora tenha havido essa irrigação do crédito para o consumo, algumas montadoras promoveram demissões, é o caso da GM de São José dos Campos, que demitiu e está colocando funcionários em férias coletivas subsequentemente. Existe alguma maneira de condicionar esse apoio à manutenção do emprego?Lula - Eu disse ontem, em uma reunião que eu fiz com empresários, que quem mandou gente embora foi precipitado. Eu intuí isso porque no domingo... eu vou contar a história para vocês. No domingo eu fui em um bairro lá em São Bernardo visitar um sobrinho, filho da minha irmã. Eu fui visitar a minha irmã, mas ela estava internada, eu vi o meu sobrinho. O meu sobrinho tem um caminhão, ele transporta postes para o Rio de Janeiro, para Porto Alegre, para sei lá... e esse meu sobrinho, depois... o pai dele, antes de morrer, era o dono do caminhão e ele tinha outro. Hoje está com dois caminhões. Ele não conseguia muita carga, tempos difíceis. Ele me disse que no ano passado ele ganhou mais dinheiro do que ele jamais imaginou ganhar na vida, transportando postes, e que este ano a situação não estava muito boa. Mas ele falou assim: “Tio, eu não vou mandar o motorista embora porque eu estou capitalizado. O que eu ganhei no ano passado dá para eu segurar um pouco”. Os empresários deveriam pensar assim, porque os empresários brasileiros nunca foram tão capitalizados como foram em 2007 e em 2008. Ganharam dinheiro como nunca. Eu conheço empresa que tem 15 bilhões em caixa e mandou gente embora. Ora, então não é justo que no primeiro refrega que a empresa tem... Primeiro, pega o dinheiro daqui para salvar as suas matrizes que quebraram na Europa. Segundo, mandar trabalhadores embora, todas elas poderiam. A folha de pagamentos é o custo menor na produção de um carro ou de uma coisa qualquer. Então, eu disse para os empresários: eu acho que foi exagero de vocês, não é justo que façam isso com os trabalhadores, porque se você começa a ter muito desemprego, você tem menos salários, menos renda, menos poder de compra, mais atrofia a economia outra vez. Nós, então, tomamos uma decisão: cada empréstimo que a gente fizer, em dinheiro público, nós vamos ter que vincular à manutenção dos postos de trabalho. Não tem sentido eu dar dinheiro para o Franklin Martins para capital de giro, e ele pega e manda os trabalhadores embora para pagar indenização com o meu dinheiro.APJ- Uma questão de interesse de todo o Estado de São Paulo, dos 18 milhões de hectares do Estado, 10 milhões são de pasto, 5 milhões são de cana, mas a preocupação maior, a grita que vai na agricultura familiar, que vai nos grandes produtores, é que para a questão da reserva legal dos 20%, que é a discussão, qual seria o critério, isso significaria reduzir, no tempo, 3,4 milhões de hectares de área agricultável no estado de São Paulo, ou de produção. É uma questão da definição de quanto tem que deixar de mata para cada tipo de propriedade, tipo de uso.Lula- Isso é mais fácil onde já tem a mata. Tentar reverter isso onde as coisas... Nós, agora, estamos muito preocupados em recuperar as terras degradadas. Tem quase 60 milhões de hectares de terras degradadas no País e nós queremos, então, plantar cana nessa terra, se for possível, plantar dendê onde for possível, para que a gente possa recuperar. Na verdade, o Brasil é um país privilegiado. Nós, hoje, não precisaríamos derrubar uma única árvore para plantar nada. É só a gente utilizar melhor o que já tem.

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